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terça-feira, 1 de maio de 2007

RELATO DE UMA EXPEDIÇÃO AO ABANDONO

Juliana Plá

E foi assim, com o trajeto marcado, as armas com pilhas que saímos. Caminhamos em busca do território desconhecido. Em busca da fronteira que poucos ousam atravessar ou diluir. O intuito não era destruir, e sim tomar posse, conhecer, sentir; saber o porquê.
As dúvidas surgiam junto com o medo, afinal ali é o desconhecido, será terra de ninguém? E se o ninguém não gostar dessa ilustre visita. Não, não pode, afinal nós somos os descobridores, nós possuímos o conhecimento, nós e toda uma montanha de gente que simplesmente usa, que suga, o que pode e que como animais coleciona sensações e memórias de mais um estar na sociedade.
Bem, a missão era clara, mas a linha de chegada não. Perguntar não adianta, é muito subjetivo. Subjetivo, esta é a resposta, sentir o troféu, este seria o radar.
Então começamos, mas só o sentir? Bom quem sabe então algumas regras... Ok!
Primeiro, nada de agentes, segundo devem existir objetos sem dono, alguma coisa que niguém gostaria de ter e terceiro o tempo não deve reinar. Pronto, agora vai...
Achamos. O nojo e a admiração por aquele universo são sensações bem presentes. E como descobridores que somos, domamos o bicho e sem perder tempo o exibimos, NÚ. Não havia mais o berço que o tornava palpável. E assim todos o possuíam e o admiravam, inclusive teorias sobre sua existência surgiram e foram aplaudidas.
Bem, missão cumprida.
Mas e se... e se.. Não tudo errado!
O que foi que nós fizemos então? Começa outra expedição, mas agora sem caminhadas físicas, somente as do consciente e como convidado o inconsciente.
Vamos analisar. Por que ele é o que é, e aquele não é? As regras estão confusas agora. Por que usar uma única medida para classificação? Vamos mudar a escala.
Nada de agentes, mas que agentes? Os próximos a mim, é claro. Pois bem quando eles deixam o espaço, este é tomado por seres ditos não agentes, termo esse destinado àqueles que não vestem as ordens do social, são maltrapilhos. Mas, e se eles tiverem suas próprias vestes? Então são agentes. Sim, agentes. Pois bem como agentes formam regras, se formam regras formam mundos, mas onde? No bicho, no ABANDONO.
Huuum... se eles formam eles possuem, pois bem a primeira e a segunda regra acabam de ir por água a baixo. Mas ainda existe a do tempo, sim, nem tudo está perdido... até porque me lembro de ter chegado lá e enquanto estava lá ouvi sons estranhos, senti um cheiro desconhecido. Mas nada de tempo!
É nada de tempo.
Mas se enquanto eu estava lá aconteceram coisas... puts, existe o tempo! É já era.
O abandono não existe. Mas então, por que a lenda?
A resposta é simples e a encontrei em um texto de um arquiteto: “[...] esse processo doentio e viral que obriga o homem a mutilar sua visão cegar-se ante a impotência de ajudar ao próximo, de mudar as coisas, o mundo” (FUÃO, 2006).
Ainda podemos completar com outro fragmento poético: “O lixo não era o fim da vida, mas o seu recomeço. Ele parecia demonstrar que a vida não tem fim. O lixo nunca era o fim. Dali a vida recomeçava, organizava-se novamente” (MONTENEGRO, 2007).

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O que são arquiteturas do abandono?

As arquiteturas do abandono compreendem desde edificações desabitadas, ruínas, restos de construção como também favelas, resíduos, sujeitos excluídos e tudo que até o desprendimento da matéria poderá nos levar a sentir e a pensar.
Num primeiro momento, apenas uma casa abandonada, em qualquer lugar, vizinha a tantas outras, nossa vizinha. Por ela, passamos todos os dias, caminhamos pela rua, a qual também acumula a sujeira, os restos, o capim. Tudo ao redor dessa casa, saindo pelas frestas, ruindo o reboco. A casa lar que antes abrigava uma família, agora se abre aos desabrigados, aos vagabundos, aos bandidos. Abandona-se ao bando.
Uma fábrica abandonada ou uma fábrica que abandonou muitos, uma enorme massa construída, onde o trabalho parou, mas sente-se ainda o movimento dos operários e o som das máquinas. Das máquinas enferrujadas que não produzem mais nada, apenas as carcaças envoltas em teias de aranha, recoberta por muita poeira. A poeira que entra pela boca, que resseca, que nos cega a vista, que esfuma. Fábrica abandonada por todos, mas que deixa toda a sujeira para trás, dos restos radioativos que podem provocar doenças, até os resíduos que servem de ganha pão para outros. Tudo arruinando e curando: fábrica, máquinas, resíduos, pessoas.
Todo o resíduo e entulho podem escorrer, migrar de um lugar para outro, pingar, deixar-se levar, contaminar o que não é abandonado, assim como o movimento de abandonar, de deixar alguma coisa em detrimento de outra. No edifício, a função vai embora e fica a forma abandonada.
Matar ou curar. Finito e infinito ao mesmo tempo. O tempo dos abandonos pode ser longo como o de uma ruína ou rápido como o de uma implosão. Difícil de ser medido e quantificado. Tudo pode ocorrer numa fração de segundos ou lentamente, como se não passasse de uma longa espera. Abandonar é largar a deterioração ao apodrecimento, ao mofo.
Também um resto de parede que teima em ficar de pé, que teima em permanecer. Mesmo com a chuva e o vento que lavam, dentro e fora, teimem em abatê-la. Uma ruína, um resto arruinado, não aquela ruína histórica, mas uma ruína fruto da supressão da própria história. Uma superfície arenosa e abandonada, transformada em deserto em meio à vida cotidiana das cidades.
Uma cidade é repleta de abandonos, por todos os lados, e de abandonados também. Eles estão ali perambulando pelas ruas, pelas calçadas, adentrando edifícios abandonados, encontrando-se, cara a cara conosco, Ás vezes desviamos, pulamos sobre eles, os abandonados cheiram mal, faltam-lhes dentes, e todos os objetos de consumo que tanto ansiamos.
O campo de ação das arquiteturas do abandono é amplo e, muitas vezes, caótico, abarca a matéria e a imatéria. Abandonamos materialidades, prédios, ruínas, restos, objetos, coisas, tudo o que possamos tocar, roubar, quebrar ou assassinar. Tudo muito elementar, muito óbvio.
No entanto, abandonos são também imateriais, do campo, do que não podemos mensurar. O abandono imaterial é do campo dos sentidos, dos desejos ou das sensações. Só há abandono material, porque há abandono imaterial, um se alimenta do outro. É corpo, é alma. As arquiteturas materiais do abandono podem ser as forças que nos sacodem para os abandonos imateriais. Como nas artes visuais ou na música, que atravessam nossos corpos. Abandonos também são capazes de desencarnar dos corpos arquitetônicos e habitar a fronteira, o escape, a fuligem.