Últimas notícias

.......PEDIMOS AOS VISITANTES QUE DEIXEM COMENTÁRIOS E NOS ENVIEM SUAS CONTRIBUIÇÕES (IMAGENS, VÍDEOS, POESIAS, TEXTOS, LINKS, ETC)......

quarta-feira, 2 de maio de 2007

ABANDONO: FENÔMENO URBANO

Tatiane Nogueira

Fenômeno urbano? O abandono parece ser mais do que um fenômeno arquitetônico ou urbano. O abandono se espraia entre os tais campos tão distantes no dia-dia da maioria dos arquitetos: arquitetura, paisagismo, urbanismo. Edifícios apresentam sinais que parecem contaminar abrangendo uma escala maior e conferindo toda uma paisagem característica. Nos lugares do abandono os três vértices são uma mesma coisa. Confundíveis. É uma arquitetura sem limites, sem contornos, sem agente determinado ou único, mas essa arquitetura está lá. Pouco discutida, pouco entendida. Parece morta, mas tem vida nos vestígios de vegetação que brotam nela!
Essa arquitetura renegada também nos desperta pela sua beleza. Em um processo de conhecimento desses lugares passa-se do feio, pelo medo, a insegurança, a incerteza, a curiosidade, a novidade, e passa-se a encontrar beleza nas fotos, nos vídeos... Se não é beleza, é talvez um sentimento mais profundo ainda, que nos toca mais fundo que um belo projeto de arquitetura. Tem consigo um apelo emocional. Essa arquitetura é de todos nós e não tem dono. É feia e bela. E sentimos curiosidade de olhar através de muitas cascas vazias. Para encontrar o quê? O que procuramos na arquitetura? O que criamos com a arquitetura?
O fenômeno dessa arquitetura que não parece ter fronteiras, atinge diversas escalas, diversas formas, diversos lugares... Existe alguma cidade em que não vejamos sinais de abandono? Será que esses espaços são elementos das cidades? Será que as relações sociais das cidades geram sempre espaços do abandono?
Uma sensação de descaso, de desapego,... E, ao mesmo tempo, de liberdade. Lugares os quais aspecto visual nos parece transmitir uma sensação de que não é seguro, mas que ao mesmo tempo provoca uma liberdade que permite agir, pichar, quebrar, sujar,...
O estudo dessas arquiteturas leva a uma visualização estreita das implicações da arquitetura com a sociedade, o ser humano, a vida... O que é certo ou ideal? Existem conceitos ou implicações da arquitetura que ainda fogem o nosso conhecimento? Nesse sentido esse estudo levanta um olhar questionador do arquiteto sobre a sociedade, sobre a sua atuação, sobre as conseqüências do que estamos criando.
A arquitetura, o mundo, criou não só o ambiente construído em que vivemos, mas também conceitos. Conceitos do que é bom, do que é bonito, do que é certo. E o que não se encaixa nestes conceitos é feio, é ruim e é pobre. São imagens, são clichês, que persistem tão fortemente na nossa cabeça e que parecem justificar um olhar tão assustado, estranhado, sobre essa arquitetura do abandono e que nos levam, como agentes criadores deste meio, a repensar...

Nenhum comentário:

O que são arquiteturas do abandono?

As arquiteturas do abandono compreendem desde edificações desabitadas, ruínas, restos de construção como também favelas, resíduos, sujeitos excluídos e tudo que até o desprendimento da matéria poderá nos levar a sentir e a pensar.
Num primeiro momento, apenas uma casa abandonada, em qualquer lugar, vizinha a tantas outras, nossa vizinha. Por ela, passamos todos os dias, caminhamos pela rua, a qual também acumula a sujeira, os restos, o capim. Tudo ao redor dessa casa, saindo pelas frestas, ruindo o reboco. A casa lar que antes abrigava uma família, agora se abre aos desabrigados, aos vagabundos, aos bandidos. Abandona-se ao bando.
Uma fábrica abandonada ou uma fábrica que abandonou muitos, uma enorme massa construída, onde o trabalho parou, mas sente-se ainda o movimento dos operários e o som das máquinas. Das máquinas enferrujadas que não produzem mais nada, apenas as carcaças envoltas em teias de aranha, recoberta por muita poeira. A poeira que entra pela boca, que resseca, que nos cega a vista, que esfuma. Fábrica abandonada por todos, mas que deixa toda a sujeira para trás, dos restos radioativos que podem provocar doenças, até os resíduos que servem de ganha pão para outros. Tudo arruinando e curando: fábrica, máquinas, resíduos, pessoas.
Todo o resíduo e entulho podem escorrer, migrar de um lugar para outro, pingar, deixar-se levar, contaminar o que não é abandonado, assim como o movimento de abandonar, de deixar alguma coisa em detrimento de outra. No edifício, a função vai embora e fica a forma abandonada.
Matar ou curar. Finito e infinito ao mesmo tempo. O tempo dos abandonos pode ser longo como o de uma ruína ou rápido como o de uma implosão. Difícil de ser medido e quantificado. Tudo pode ocorrer numa fração de segundos ou lentamente, como se não passasse de uma longa espera. Abandonar é largar a deterioração ao apodrecimento, ao mofo.
Também um resto de parede que teima em ficar de pé, que teima em permanecer. Mesmo com a chuva e o vento que lavam, dentro e fora, teimem em abatê-la. Uma ruína, um resto arruinado, não aquela ruína histórica, mas uma ruína fruto da supressão da própria história. Uma superfície arenosa e abandonada, transformada em deserto em meio à vida cotidiana das cidades.
Uma cidade é repleta de abandonos, por todos os lados, e de abandonados também. Eles estão ali perambulando pelas ruas, pelas calçadas, adentrando edifícios abandonados, encontrando-se, cara a cara conosco, Ás vezes desviamos, pulamos sobre eles, os abandonados cheiram mal, faltam-lhes dentes, e todos os objetos de consumo que tanto ansiamos.
O campo de ação das arquiteturas do abandono é amplo e, muitas vezes, caótico, abarca a matéria e a imatéria. Abandonamos materialidades, prédios, ruínas, restos, objetos, coisas, tudo o que possamos tocar, roubar, quebrar ou assassinar. Tudo muito elementar, muito óbvio.
No entanto, abandonos são também imateriais, do campo, do que não podemos mensurar. O abandono imaterial é do campo dos sentidos, dos desejos ou das sensações. Só há abandono material, porque há abandono imaterial, um se alimenta do outro. É corpo, é alma. As arquiteturas materiais do abandono podem ser as forças que nos sacodem para os abandonos imateriais. Como nas artes visuais ou na música, que atravessam nossos corpos. Abandonos também são capazes de desencarnar dos corpos arquitetônicos e habitar a fronteira, o escape, a fuligem.