Últimas notícias

.......PEDIMOS AOS VISITANTES QUE DEIXEM COMENTÁRIOS E NOS ENVIEM SUAS CONTRIBUIÇÕES (IMAGENS, VÍDEOS, POESIAS, TEXTOS, LINKS, ETC)......

sexta-feira, 11 de maio de 2007

A EXPERIÊNCIA DO OLHAR

Manoela Py Sostruznik

Participar da pesquisa “Arquiteturas do Abandono: roteiro para um filme na cidade de Pelotas” excita a forma de perceber a cidade, a paisagem urbana e todos seus correspondentes de uma outra maneira, distinta da que vinha acontecendo até então.
Analisar os territórios, as fronteiras, os usuários-agentes, os usuários-não agentes, os sons, os ritos, os mitos de cada espaço faz aguçar os sentidos e as reflexões diariamente. Faz perceber o ocupar e desocupar de cada “cenário” urbano existente, as relações mutualísticas entre humanos e seus lugares e não-lugares.
A prática da pesquisa, do espaço que compreende a Praça Coronel Pedro Osório e seu território de abrangência, ou seja, viagens em busca de registros que traduzissem o nosso olhar sobre o lugar de forma fílmica não foram muitas em formato de grupo. No entanto foram o suficiente para “fisgar” a percepção sobre aquele espaço constituído e desconstituído simultaneamente. Uma nova experiência de olhar fixou-se, de forma que sair em busca de pichações, janelas vedadas, tijolos no lugar de portas, árvores em telhados, telhados destelhados, lixo, calçadas mal tratadas, bagas de cigarro, árvores caídas, homens caídos, é o que acontece hoje. Saio em busca de imagens que traduzam um novo olhar criado sobre limites territoriais pelos quais circulo.
Alguns percursos são cotidianos, rotineiros, outros crio por curiosidade para descobrir novos territórios. Estes são diferentes, mas são iguais, eles se interseccionam nas semelhanças dos diferentes, esta diferença que instiga, pois esta fora da normalidade convencionada, a diferença de ser abandonado que o exalta, que questiona, que cria a reflexão.
Muitas das viagens pelos territórios não são registradas de forma que outros possam ver o que percebo, mas já é possível descrever a existência dos lugares e suas peculiaridades, já se percebe as cores e os sons característicos de cada volume determinado.
Esse olhar distinto, não mais anestesiado e conformado, olhar que busca o singular, que busca respostas, olhar que registra o que muitos não vêem, pode acontecer em qualquer local do planeta, sempre haverá os territórios, seus agentes, suas especificidades, e tudo vai formando uma teia de relações indiretas correspondentes, e assim uma poesia escrita no Centro Histórico de Santos-SP, pode vir a traduzir essa percepção atual da paisagem urbana de Pelotas ou de qualquer lugar que se busque o abandono.

“ladrão de lâmpada é filho de vaca”
São paredes sem luz
É a um escuro que conduz
Tem cheiro de resto de galinha
Tem cheiro de resto de comida
Tem cheiro de resto de alegria
É cinza o asfalto, o ladrilho ali na esquina
É cinza a barba daquele
Que vi na quina
Tem casa na calçada
Tem árvore no teto da casa
Tem gente deitada por todo canto
Tem história de vida e muito pranto
É o barco, o trem, a bicicleta, o carro
Que passa por estes lados
Tem gente nova que chega e percebe
O que por aqui fica?
“o ladrão de lâmpada que é filho de vaca”?
Ou um novo projeto de vida?

(Santos - São Paulo,manhã de 09/01/07)

Que mais pessoas possam experênciar um novo olhar sobre a cidade, que consigam perceber suas barreiras, sua fronteiras, seus traumas urbanos e consigam se perceber como agentes diretos dessa paisagem em constante modificação.

Nenhum comentário:

O que são arquiteturas do abandono?

As arquiteturas do abandono compreendem desde edificações desabitadas, ruínas, restos de construção como também favelas, resíduos, sujeitos excluídos e tudo que até o desprendimento da matéria poderá nos levar a sentir e a pensar.
Num primeiro momento, apenas uma casa abandonada, em qualquer lugar, vizinha a tantas outras, nossa vizinha. Por ela, passamos todos os dias, caminhamos pela rua, a qual também acumula a sujeira, os restos, o capim. Tudo ao redor dessa casa, saindo pelas frestas, ruindo o reboco. A casa lar que antes abrigava uma família, agora se abre aos desabrigados, aos vagabundos, aos bandidos. Abandona-se ao bando.
Uma fábrica abandonada ou uma fábrica que abandonou muitos, uma enorme massa construída, onde o trabalho parou, mas sente-se ainda o movimento dos operários e o som das máquinas. Das máquinas enferrujadas que não produzem mais nada, apenas as carcaças envoltas em teias de aranha, recoberta por muita poeira. A poeira que entra pela boca, que resseca, que nos cega a vista, que esfuma. Fábrica abandonada por todos, mas que deixa toda a sujeira para trás, dos restos radioativos que podem provocar doenças, até os resíduos que servem de ganha pão para outros. Tudo arruinando e curando: fábrica, máquinas, resíduos, pessoas.
Todo o resíduo e entulho podem escorrer, migrar de um lugar para outro, pingar, deixar-se levar, contaminar o que não é abandonado, assim como o movimento de abandonar, de deixar alguma coisa em detrimento de outra. No edifício, a função vai embora e fica a forma abandonada.
Matar ou curar. Finito e infinito ao mesmo tempo. O tempo dos abandonos pode ser longo como o de uma ruína ou rápido como o de uma implosão. Difícil de ser medido e quantificado. Tudo pode ocorrer numa fração de segundos ou lentamente, como se não passasse de uma longa espera. Abandonar é largar a deterioração ao apodrecimento, ao mofo.
Também um resto de parede que teima em ficar de pé, que teima em permanecer. Mesmo com a chuva e o vento que lavam, dentro e fora, teimem em abatê-la. Uma ruína, um resto arruinado, não aquela ruína histórica, mas uma ruína fruto da supressão da própria história. Uma superfície arenosa e abandonada, transformada em deserto em meio à vida cotidiana das cidades.
Uma cidade é repleta de abandonos, por todos os lados, e de abandonados também. Eles estão ali perambulando pelas ruas, pelas calçadas, adentrando edifícios abandonados, encontrando-se, cara a cara conosco, Ás vezes desviamos, pulamos sobre eles, os abandonados cheiram mal, faltam-lhes dentes, e todos os objetos de consumo que tanto ansiamos.
O campo de ação das arquiteturas do abandono é amplo e, muitas vezes, caótico, abarca a matéria e a imatéria. Abandonamos materialidades, prédios, ruínas, restos, objetos, coisas, tudo o que possamos tocar, roubar, quebrar ou assassinar. Tudo muito elementar, muito óbvio.
No entanto, abandonos são também imateriais, do campo, do que não podemos mensurar. O abandono imaterial é do campo dos sentidos, dos desejos ou das sensações. Só há abandono material, porque há abandono imaterial, um se alimenta do outro. É corpo, é alma. As arquiteturas materiais do abandono podem ser as forças que nos sacodem para os abandonos imateriais. Como nas artes visuais ou na música, que atravessam nossos corpos. Abandonos também são capazes de desencarnar dos corpos arquitetônicos e habitar a fronteira, o escape, a fuligem.