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quinta-feira, 17 de maio de 2007

DESTRUÍNDO CLICHÊS E FERIDAS: relato de uma experiência

Gabriela Fantinel Ferreira

Antes da pesquisa “Lugares do Abandono: roteiro para um filme da cidade de Pelotas” observava apenas clichês pelos lugares por onde andava ... Mas o que são clichês na vida urbana, no cotidiano??? Para entender isso, é preciso, primeiramente, entender o que clichê significa.
Segundo Deleuze os clichês são imagens fundadas em princípios de ação e reação, e que, diante disso, não percebemos o todo, mas sempre partes do todo. Poderíamos, então, fazer uma analogia onde as nossas vidas seriam filmes, nos quais nós seriamos os atores principais e as cenas desse filme os fatos e os lugares por onde estivemos durante a nossa vida; e ao relembrar, das cenas e dos cenários em que havíamos atuado, criássemos na nossa mente “trailers” desses momentos, pois só conseguimos absorver parte das cenas, e não o todo, pois não tivemos tempo de vivenciá-las e observa-las outras vezes e de outros ângulos. Com isso, poderíamos dizer que esses “trailers” do que vimos, vivemos e sentimos no nosso filme são os clichês. Os clichês são os elementos que nos causam uma reação imediata, por serem, para nós, mais óbvias; e justamente por isso tornam-se clichês.
Logo, com a idéia de clichê em mente e trazendo-a para o contexto da experiência com o abandono nos diversos locais por onde ando, posso sentir uma mudança na minha percepção do entorno, da cidade, do mundo, dos lugares. Agora não sou indiferente a essa realidade, tudo é percebido, analisado, captado e capturado pelas lentes da minha câmera, que, muitas vezes, é apenas a câmera da minha mente; assim, fico analisado tudo que acontece nas ruas, nos prédios, nas estradas, nos campos, tudo se torna motivo de reflexão.
Poderia dizer que estou buscando destruir os meus clichês, no que diz respeito ao abandono. Ah.. e como existem clichês nas ruas.. não é verdade?! As pessoas ignoram tudo que pode lhes causar desconforto, como um indigente, o lixo nas ruas, os prédios históricos que estão prestes a desabar, as ruínas, uma arquitetura feia, o descaso com a cidade, os prédios abandonados, os animais famintos, o esgoto, as depredações, entre tantas outras coisas.
Esses abandonos são feridas, as feridas que as pessoas não querem ver, mas sim fazer de conta que elas não existem. E essas feridas são os lugares, as arquiteturas de onde podem brotar novas vidas, as quais estão morrendo, devido ao descaso das pessoas; essas feridas estão dadas ao acaso. Os indivíduos estão tão absortos no seu mundo, nas suas tarefas e desejos, que não são capazes de perceber o que se passa ao seu redor; muitos andam pelas ruas sempre pelo mesmo caminho e nunca perceberam que nesse trajeto tinha um prédio abandonado, um terreno baldio.. elas simplesmente caminham em direção ao seu objetivo, só enxergando o que querem ver.
Como ser indiferente a tanto abandono, em todo lugar existe alguma forma de abandono, e nós somos os agentes diretos ou indiretos de todo esse caos. O mundo, e não só as ruas das cidades, estão abandonados ao acaso e se tudo continuar assim chegará o dia em que só existirá o abandono, as feridas.
Ao realizar essas viagens a alguns locais da cidade de Pelotas percebi que nunca havia reparado em tantas coisas na minha cidade, como eu era bitolada!!! Mas mesmo hoje tendo um olhar crítico para o entorno, muitas vezes, é preciso ver e rever esses locais para sentir outras coisas, por isso a importância dos vídeos existirem e serem editados por nós com visões diversificadas. Cada indivíduo tem um jeito de ver o mundo diferente do dos outros e, muitas vezes, nós mesmos temos idéias diferentes do que as que tivemos anteriormente.
Na verdade, acredito que as imagens falam mais do que as palavras, porque nelas tudo é revelado e são formadoras de opiniões, pois deixam o observador livre para sentir o que se passa nelas. Diante isso, acredito que sejam muito importantes esses registros ocorrerem em forma audiovisual, pois mostram o movimento, a inércia, os sons – só seria mais perfeito se revelassem os odores também - enfim tudo o que acontece, e estão à disposição do observador quantas vezes ele achar necessário perceber, sentir, refletir, criticar etc.
Hoje observo: as ruínas, as plantas que brotam dela – como a natureza é complexa, forte e capaz, pois sempre que vejo isso fico pensando como é possível uma figueira brotar em uma rachadura de um prédio e a sua raiz ir buscando água, não importando o quão longe e de difícil acesso ela esteja? Como algo tão abandonado, sem vida como um prédio em ruínas, pode possuir tanta vida, tanta natureza brotando, literalmente, das suas entranhas? Observo, ainda, as pessoas, como suas reações e atitudes diante do abandono; os animais, por onde andam, o que comem, como sobrevivem abandonados; o lixo, principal reflexo do descaso dos agentes, da falta de educação, da péssima cultura da população - maioria não se preocupa com a sujeira da cidade-; os prédios depredados, sujos, sem manutenção; as calçadas, repletas de obstáculos para as pessoas, e a falta de acessibilidade para os portadores de necessidades especiais, outros abandonados pela sociedade; enfim são tantos os tipos de abandono que pode-se dizer que, possivelmente, sempre se pode descobrir uma nova forma de abandono e mais uma maneira de destruir o obvio, o clichê.

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O que são arquiteturas do abandono?

As arquiteturas do abandono compreendem desde edificações desabitadas, ruínas, restos de construção como também favelas, resíduos, sujeitos excluídos e tudo que até o desprendimento da matéria poderá nos levar a sentir e a pensar.
Num primeiro momento, apenas uma casa abandonada, em qualquer lugar, vizinha a tantas outras, nossa vizinha. Por ela, passamos todos os dias, caminhamos pela rua, a qual também acumula a sujeira, os restos, o capim. Tudo ao redor dessa casa, saindo pelas frestas, ruindo o reboco. A casa lar que antes abrigava uma família, agora se abre aos desabrigados, aos vagabundos, aos bandidos. Abandona-se ao bando.
Uma fábrica abandonada ou uma fábrica que abandonou muitos, uma enorme massa construída, onde o trabalho parou, mas sente-se ainda o movimento dos operários e o som das máquinas. Das máquinas enferrujadas que não produzem mais nada, apenas as carcaças envoltas em teias de aranha, recoberta por muita poeira. A poeira que entra pela boca, que resseca, que nos cega a vista, que esfuma. Fábrica abandonada por todos, mas que deixa toda a sujeira para trás, dos restos radioativos que podem provocar doenças, até os resíduos que servem de ganha pão para outros. Tudo arruinando e curando: fábrica, máquinas, resíduos, pessoas.
Todo o resíduo e entulho podem escorrer, migrar de um lugar para outro, pingar, deixar-se levar, contaminar o que não é abandonado, assim como o movimento de abandonar, de deixar alguma coisa em detrimento de outra. No edifício, a função vai embora e fica a forma abandonada.
Matar ou curar. Finito e infinito ao mesmo tempo. O tempo dos abandonos pode ser longo como o de uma ruína ou rápido como o de uma implosão. Difícil de ser medido e quantificado. Tudo pode ocorrer numa fração de segundos ou lentamente, como se não passasse de uma longa espera. Abandonar é largar a deterioração ao apodrecimento, ao mofo.
Também um resto de parede que teima em ficar de pé, que teima em permanecer. Mesmo com a chuva e o vento que lavam, dentro e fora, teimem em abatê-la. Uma ruína, um resto arruinado, não aquela ruína histórica, mas uma ruína fruto da supressão da própria história. Uma superfície arenosa e abandonada, transformada em deserto em meio à vida cotidiana das cidades.
Uma cidade é repleta de abandonos, por todos os lados, e de abandonados também. Eles estão ali perambulando pelas ruas, pelas calçadas, adentrando edifícios abandonados, encontrando-se, cara a cara conosco, Ás vezes desviamos, pulamos sobre eles, os abandonados cheiram mal, faltam-lhes dentes, e todos os objetos de consumo que tanto ansiamos.
O campo de ação das arquiteturas do abandono é amplo e, muitas vezes, caótico, abarca a matéria e a imatéria. Abandonamos materialidades, prédios, ruínas, restos, objetos, coisas, tudo o que possamos tocar, roubar, quebrar ou assassinar. Tudo muito elementar, muito óbvio.
No entanto, abandonos são também imateriais, do campo, do que não podemos mensurar. O abandono imaterial é do campo dos sentidos, dos desejos ou das sensações. Só há abandono material, porque há abandono imaterial, um se alimenta do outro. É corpo, é alma. As arquiteturas materiais do abandono podem ser as forças que nos sacodem para os abandonos imateriais. Como nas artes visuais ou na música, que atravessam nossos corpos. Abandonos também são capazes de desencarnar dos corpos arquitetônicos e habitar a fronteira, o escape, a fuligem.